sexta-feira, 10 de junho de 2016

“Tem é que matá esses vagabundo tudo!”


Ser assaltado é horrível!
A sensação de impotência que se instala na gente depois ter uma arma apontada pra sua cabeça é algo inexplicável. Nos deixa no chão. Nos sentimos lixo.
E quando um ato destes acaba em uma fatalidade, um ferimento grave, uma lesão irreversível, uma morte, bom, aí eu nem imagino o tamanho desta dor. Mas é certamente imensamente maior do apenas ser roubado.
Nestes dois casos, o ódio, a revolta, a sede por vingança, às vezes até mesmo na mesma moeda, podem vir muito facilmente.
 
Mas, todas as reflexões que eu tenho feito, todo o conteúdo que eu tenho consumido, e principalmente, o fato de eu ter me tornado mãe, me fazem a cada dia repensar essa nossa facilidade de decretar sentenças.
 
Não consigo mais ver uma reportagem em que homens foram mortos em uma perseguição pela polícia após uma tentativa de assalto, sem pensar no que pode ter acontecido na vida deles pra que chegassem até aquele momento.
Não consigo mais ouvir uma pessoa comentando que um conhecido teve seu celular roubado por um ”vagabundo”, sem pensar no quanto este “vagabundo” estava sendo consumido pelo desejo de mais uma dose de uma droga qualquer.
Não consigo mais ver adolescentes serem presos acusados por tráfico de drogas, sem pensar no desespero das mães daqueles guris, que ao receberem a notícia se condenaram tentando entender onde foi que elas erraram.
 
Essas reflexões se instalaram na minha cabeça a partir do momento que eu comecei a me dar conta de quem são estas pessoas. Quem são estes caras que ao invés de trabalharem honestamente querem ganhar a vida roubando o que é nosso? Quem são estes pivetes alocados nas esquinas vendendo drogas aos nossos jovens? Quem são estes “nóias” enfeiando nossas ruas?

Pois eu sei quem são: são meus irmãos, são meus sobrinhos, são meus primos, são meus afilhados; são meus filhos, são meus vizinhos.
É o povo preto e pobre que está marginalizado, é o povo preto e pobre que está sendo preso, e é o povo preto e pobre que está morrendo.
E isto não sou eu quem digo, são as estatísticas: em média, 66% dos jovens infratores vivem em famílias extremamente pobres, e 60% são negros.
 
No Brasil, desde a suposta libertação do povo preto, mais de 100 anos de abandono e descaso pela sociedade se passaram. Mas para muitos, pouco mudou, pois mesmo após gerações e gerações, permanecem às margens, sem conseguir quebrar o ciclo de pobreza e ignorância.
 
Eu sei que tem um montão de preto e pobre por aí trabalhando honestamente, estudando, se formando. Sim, e que bom, que ótimo! Mas não se engane, esta não é a regra. Não menspreze a força que é necessária para vencer centenas de anos de atraso em um país onde nada foi feito pensando no nosso povo. 

Por isso, e por diversos outros motivos, eu temo ser assaltada e ferida nas ruas, como qualquer outra mulher. Mas como mulher negra, eu tento sempre me lembrar que se algo acontecer, provavelmente será o meu irmão (homem preto), que estará diante de mim, e eu não posso/não quero vê-lo como um inimigo.
 

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